o que ainda é orgânico na internet?
ou por que a mentira é sempre mais atraente (e lucrativa) que a verdade
oie! comecei num trabalho novo recentemente (🥳), e entre uma semana e outra, fui acumulando ideias para esse texto. ele foi fermentando devagarinho, porque precisava ser dito com o peso necessário, mas também com certo cuidado.
abri o twitter um dia desses e dei de cara com um vídeo do mamãe falei tirando a camisa enquanto tocava bateria num bar. eu, uma hater convicta de filme de terror, obviamente não cliquei pra ver inteiro. e peço desculpas por sequer citar essa cena.
o que me interessa aqui de maneira alguma é o mamilo do arthur do val, é o que ele está escondendo com ele.
é muito óbvio que isso é uma distração programada. uma performance cuidadosamente plantada pra virar meme e diminuir o histórico de um ex-deputado cassado.
não à toa quem publicou isso é da patota do MBL. e convenhamos, eles sabem bem como fazer uma cortina de fumaça. mas isso não é uma ferramenta só deles, como sabemos, o mercado digital de fake news existe e é altamente lucrativo.
mas esse não vai ser um texto direcionado apenas pro mecanismo clássico das fake news, da mídia paga ou dos bots.
envolve uma questão um pouco mais elaborada: o que ainda é orgânico na internet?
a distorção do real
jean baudrillard chamou isso de simulacro: quando a representação não apenas substitui o real, mas o elimina. já não estamos falando de encenação, mas de uma hiper-realidade que se impõe como verdade.
o filósofo explica que, no início, a imagem era apenas um reflexo da realidade. depois, virou uma distorção. hoje, ela não copia mais nada. ela simula. ou seja: não tenta parecer real, ela se torna o real.
é nesse cenário que figuras públicas vão moldando novas versões de si, e o mais perigoso é que isso se dá com a cumplicidade do público. como se a sociedade, hipnotizada pela performance, resolvesse renunciar ao exercício da dúvida.
esse fenômeno é nítido quando influenciadoras são tratadas como “empreendedoras visionárias” mesmo quando utilizam da linguagem para inflar seus resultados. quem aí viu o vídeo da carla (@notrabalho) expondo uma possível mentira da blogueira de maquiagem franciny ehlke?
para quem tem a mínima noção do tamanho do brasil e do mercado de beleza, um setor extremamente competitivo e dominado por grupos enormes, ver a franciny afirmando que é dona de uma das maiores marcas de maquiagem do br soou no mínimo… audacioso.
no vídeo, carla expõe que com os dados que ela tem acesso (de pesquisa de mercado, projeções de vendas, visibilidade nacional), a marca da franciny sequer aparece entre as 10 maiores. ou seja: o que parece um simples “gancho de conteúdo” é, na verdade, uma mentira performada.
o mais curioso (e preocupante) foi ver a reação do público. em vez de refletir, muitos saíram em defesa da influenciadora. carla foi acusada de invejosa, chata, militante.
não é só que a mentira se espalha rápido. é que ela se parece com verdade o suficiente pra ninguém querer verificar. e quando alguém tenta interromper esse fluxo com um “peraí, isso é falso”, é logo calado pelo carinho da torcida.
sabe quem mais tem um caso sério com a simulação da verdade? virginia fonseca, óbvio! não é novidade que ela estrutura sua imagem pública sobre exageros e distorções, inclusive com a pose de empresária de sucesso e as recorrentes afirmações de faturamentos milionários.
“mas que mal tem nisso? ela tá enaltecendo o próprio trabalho!”
“e daí se ela aumentou um pouquinho? ela trabalha tanto…”
daí que isso se chama publicidade. e publicidade precisa ser ética. quem trabalha com comunicação, com criação de imagem, com estratégia digital, precisa ter responsabilidade com o que afirma, principalmente quando se lucra com isso.
a torcida organizada da pós-verdade
virou rotina: alguém distorce a realidade, outra pessoa tenta corrigir, e logo surge um coro de vozes prontas pra desqualificar a crítica. como se fossem bots treinados pra bater palma, como se o ato de questionar fosse automaticamente uma chatice ou recalque.
essa lógica tribaliza tudo. transforma qualquer debate em guerra de torcidas. e não à toa, a desinformação viraliza muito mais rápido do que qualquer conteúdo verdadeiro.
foi isso que letícia cesarino escancarou em o mundo do avesso, uma das leituras mais esclarecedoras que já fiz sobre política e verdade na era digital.
não há mais uma disputa por argumentos. há uma disputa por atenção. e quem ganha não é quem tem razão, é quem tem mais alcance. =)
ser crítico não é esvaziar a diversão
eu sei que pesa. a sensação de que as redes estão cada vez mais tomadas por simulação exigem da gente um esforço brutal de interpretação, quase uma paranoia hermenêutica permanente. mas a real é que não reagir às mentiras (ainda que pareçam inofensivas) é contribuir com a sua normalização.
sei que ninguém queria ter que ficar problematizando no meio do seu tempo de descanso. eu também só quero que o algoritmo me entregue uma sequência saborosa de vídeo engraçado. mas acontece que a internet nunca foi só um lugar de diversão. redes sociais surgiram como instrumentos de vigilância, de conexão entre sistemas — e, com o tempo, se tornaram vitrines de influência, comércio e disputa ideológica.
você pode se divertir aqui, claro. pode rir, se informar, descobrir coisas legais, seguir quem te inspira. mas é preciso estar atento. porque aqui também se fabrica mentira com um carisma impecável. e se a gente não repara no roteiro, acaba batendo palma pra maluco dançar.
o que me move a escrever não é um purismo moral, é o desejo de ver mais gente com o modo crítico ativado. porque do mesmo jeito que vemos mentiras sendo ovacionadas até virarem “opinião”, também vejo o potencial de quem fala a verdade, compartilha o que sabe, ajuda a desarmar essas farsas bem produzidas. isso também pode viralizar. também transforma. também educa.
amamos e precisamos nos entreter, mas não dá pra deixar que isso nos distraia da realidade.
a responsabilidade da palavra
don miguel ruiz, no clássico os quatro compromissos da filosofia tolteca, diz que o primeiro deles é ser impecável com a palavra. repito: não por moralismo, mas porque a palavra é mágica. ela cria, destrói e contagia. e num mundo onde qualquer frase pode alcançar milhões em minutos, essa magia virou ferramenta de influência em massa.
como publicitária, sei o quão difícil é ser rigorosa com as informações. sei também que é mais fácil inventar um número bonito do que contextualizar um resultado real. mas se a gente escolheu trabalhar com comunicação, escolheu também se responsabilizar pelo que comunica.
num mundo onde tudo pode ser manipulado, a única defesa é a vigilância da linguagem.
um abraço e até a próxima!